segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A Amazônia como produto Caviar

 


Essa é a castanha do Pará e o açaí que abastecem o mundo

*Mayra Castro

Produto da Amazônia deveria ser visto como algo raro, caro, exclusivo e único, ao invés de ser vendido como commoditie. Daí a provocação do Caviar. Caviar nada mais é do que ova de peixe. Mas não é de qualquer peixe, não é de qualquer região, fazendo com o que o produto seja de alto valor agregado. Não é qualquer castanha, não é qualquer superfruta. São insumos orgânicos, nativos da Amazônia, de cultura primordialmente extrativista, coletados de maneira artesanal, por comunidades tradicionais, diretamente da maior floresta do mundo. 

Essa é a castanha do Pará e o açaí que abastecem o mundo. A Amazônia é, em si, uma marca mundial e sensorial, conhecida por ser rica, grandiosa e encantadora. Eis o mercado internacional de cosméticos que utiliza insumos e o próprio nome Amazônia para agregar valor em seus produtos. A questão é que o modelo econômico implantado na região se pauta na marca Brasil que é exportadora de commoditie, de baixo valor agregado. Ocorre que para manter a floresta viva é preciso dinheiro e tecnologia para a construção de uma nova economia, baseada em novas matrizes econômicas. Esse modelo tem marca própria. 

CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ECONOMIA

Recentemente em um evento regional do Sebrae com pessoas de vários estados, apresentei o conceito de produto Caviar e fiz a seguinte provocação: “Vocês pensam que o Steve Jobs criou produtos para se inserir em um mercado ou os produtos Apple criaram nichos?” A questão é quem compra um Iphone não compra um celular, compra um conceito. E assim, a Apple se tornou uma empresa bilionária vendendo para 15–20% do mercado. 

Uma nova economia para a Amazônia que considere o que a biodiversidade pode oferecer, tanto como insumo quanto conhecimento técnico-científico e tradicional, é de nicho e não de massa. Ademais, hoje em dia, ter uma boa história para contar em um produto é essencial. Nós temos mais de 10 mil anos de história humana, uma cultura única e envolvente, além do “Amazon lifestyle”, para contar. E claro, os encantos de sermos a maior floresta do mundo. Isso já é um storytelling único para explorar.

ACESSO À CAPITAL

Atualmente, os empreendimentos na Amazônia que mais conseguem acesso à capital e em condições mais favoráveis são das cadeias tradicionais, como agropecuária e minério.

No cenário clássico, os empreendimentos se adéquam às condições da oferta. Para que haja realmente impacto econômico na região, as teses e editais teriam que considerar as peculiaridades regionais de taxas, payback, carências e securitização de garantias. Como fazer isso? Incluindo a participação de pessoas que vivenciam a região profissional e culturalmente nos processos decisórios.

Atualmente, os empreendimentos que mais conversam com a biodiversidade têm um porte abaixo do que o mercado busca. Isso falando de indústria. Quando se fala de empreendedorismo de base criativa ou tradicional, já não se olha sequer como oportunidade de negócio, mas filantropia. Nessa nova economia, o capital é um parceiro que busca ajuda mútua e os empreendimentos são um elo entre pessoas e meio ambiente.

COMO TRABALHAR NA AMAZÔNIA

Muitos querem e nem todos conseguem. Isso acontece porque para atuar na Amazônia, é necessário ter o mínimo de compreensão sociocultural, para saber o que fazer e com quem e como falar. Existem mais de 20 milhões de pessoas na região, alta produção técnico-científica nos centros de pesquisa e muito conhecimento tradicional. O que ocorre é que as receitas já chegam prontas. Como mudar esse cenário? Simples. Antes de chegar com ideias, projetos e iniciativas pré-concebidas, pergunte “como posso ser útil” e o que você tem a oferecer.  Incluir para construir.  

*Mayra Castro é designer de conexões e parcerias, advogada e mestre em Direito Internacional e Europeu pela Universidade de Genebra- Suíça. 

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