Brás Pereira, o Ayrton Senna da diagramação |
Luís Alberto Alves/Hourpress
Um dos sucessos do sambista Geraldo Filme, grande parceiro de luta do teatrológo Plínio Marcos, dizia : "silèncio/o sambista está dormindo/ele foi mas foi sorrindo/a notícia chegou quando anoiteceu/escolas/eu peço o silêncio de um minuto/o Bixiga tá de luto/o apito de Pato N´agua emudeceu/partiu/não tem placa de bronze não fica na história/ sambista de rua morre sem glória/depois de tanta alegria que ele nos deu..."
Essa máxima eu aplico à morte do amigo e colega de profissão, José André dos Santos, conhecido entre a categoria como Brás Pereira, um Ayrton Senna na arte de diagramar páginas em revistas e jornais desde o final da década de 1960, quando resolveu colocar num computador os 70 toques de uma lauda para ajudar na diagramação de forma eletrônica.
Alegre, sempre de alto astral. Ninguém triste conseguia ficar ao seu lado. Deixava qualquer ambiente de trabalho sem cara feia. Comunicativo, fazia amizade facilmente. Não conheci nenhuma pessoa que fosse o seu inimigo. Após os famosos fechamentos, da época do linotipo ainda na década de 1970, antes da impressão a frio, andava tranquilamente pelo centro da cidade.
Metrô News
Quando chegava ao Imirim, bairro da Zona Norte que serviu de residência para os Novos Baianos quando desembarcaram em São Paulo no inicio dos anos de 1970, tudo corria normalmente. A malandragem o conhecia e tinha cartão verde para seguir até a sua casa, na Rua Carolina Roque, onde residiu mais de 50 anos. Brilhou intensamente na diagramação. Participou da primeira equipe do então Metrô News, que saiu do forno no dia em que começaram a circular os trens da linha azul do Metrô de São Paulo, em 1974.
Fã de Carnaval, todos os dirigentes das escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro o conheciam. Sabia como poucos entender a linguagem da arte dos desfiles. De quem tinha samba no pé. Não era estrangeiro no pedaço. Discernia beleza pura daquela fabricada nos salões de beleza e esculpida nas academias. Aliás, as meninas da fogosa Nestor Pestana, ao lado da Praça Roosevelt, pediam sempre opinião de como aparecer, sem forçar a barra.
Os políticos, como sempre, gostavam de pegar carona na simplicidade e carisma de Brás Pereira. Sabiam que uma foto ao seu lado servia de excelente combustível na periferia, principalmente na Zona Norte. Nos últimos 29 anos criou o jornal Fim de Noite depois emplacou o São Paulo de Fato. Como grande guerrilheiro, colocava alguns exemplares numa bolsa e entregava nas mãos de quem decidia, principalmente prefeito e governador, deputados, vereadores.
Amigos
Nesta caminhada obtinha furos, ouvia conversa que se transformava em matérias e até em reivindicações que eram resolvidas. Entrava em qualquer gabinete. Todos o conheciam. O mesmo acontecia nas redações, onde tinha muitos amigos, alguns já em final de carreira. Enfim, um profissional de primeira linha. O coração era gigantesco. Quando alguém não estava bem nas finanças, o acolhia em sua casa, até a maré ficar baixa.
Não tinha pique para deixar na amargura alguém que estava precisando de ajuda. Brás Pereira conquistou inúmeros amigos na longa caminhada que chegou ao fim às 14h23 deste domingo (5) num dos leitos do hospital de Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de Sampa. Mesmo com a imunidade proporcionada pelas três doses de vacina contra a Covid-19, ele não resistiu à doença e partiu, como nos versos do samba de Geraldo Filme, sem placa de bronze ou qualquer auê nas emissoras de televisão, onde Brás Pereira tinha tantos amigos. Vá em paz meu grande amigo. Tive o prazer de ser o seu amigo, nas horas boas e ruins.
Silêncio no Bixiga
https://www.youtube.com/watch?v=viMGPcV7zhU
Luís Alberto Alves, jornalista, editor do blogue Cajuísticas.
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