O caminho é estudar, se qualificar e jamais se conformar com a senzala
Glória Maria trabalhou mais de 50 anos na Rede Globo |
Luís Alberto Alves/Hourpress
A morte da jornalista e colega de profissão Glória Maria
impactou, no profundo, o jornalismo brasileiro. Num país, onde 56% da população
é negra, segundo dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
Estatística), ainda são poucos jornalistas pretos e pardos nas emissoras de televisão.
Nas redações, em cargos de chefia o percentual é muito baixo.
Pior: tanto nas revistas, quanto nos jornais e portais de notícias, os que não
são brancos só trabalham em matérias bucha de canhão, como cobrir enchentes,
tiroteio entre polícia e bandido, desocupação de terra com a tropa de choque da
PM distribuindo pancada em todos.
Alguns estudiosos de marketing racista dizem que o negro é
feio, não atrai consumidor. Até início da década de 1990, qualquer propaganda
de produto de beleza só tinha mulheres brancas, loiras e de olhos azuis. Como
se não existisse mulher negra no Brasil. Os anúncios publicitários na televisão
e cinema repetiam um país, onde não tinha negros em sua população.
Solitária
Nas inúmeras delegacias e companhias de polícia onde
comparecia durante o meu trabalho de repórter de Segurança Pública, era rotina
delegados, coronéis e tenentes da PM me olhar com suspeita. De início não acreditavam
que estavam diante de um jornalista. Percebia no ar a desconfiança e pouco
caso.
Quando Glória Maria aparecia nas reportagens do Jornal
Nacional ou do Fantástico, com destaque, eu ainda criança no início da década
de 1970, percebia que estava sendo representado. Durante vários anos, ela era
figura solitária nas emissoras de televisão do Brasil. Nenhuma tinha mulher
repórter negra. Só branca, às vezes loiras.
Hoje, o brasileiro que não é branco começou a acordar. A
publicidade percebeu que negro também é consumidor. Que ele vai ao
supermercado. Que ele viaja no final de ano e nos feriados prolongados. Tem uma
grande parcela que ganha bons salários. A mulher negra não é mais só objeto de
consumo sexual durante o Carnaval, mas passou a ocupar altos cargos nas
empresas.
Glória Maria foi desbravadora na quebra de diversas
barreiras. Mostrou através de sua postura que a população negra precisa lutar e
conquistar o seu lugar ao sol. São competentes. Não podem mais viver de cabeça
baixa, comendo as migalhas que caem da mesa dos feitores, hoje travestidos de
empresários. O caminho é estudar, se qualificar e jamais se conformar com a
senzala.
Luís Alberto Alves, jornalista há 36 anos, editor do blogue
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