O tom mais duro do comunicado da reunião do COPOM
A economia do Brasil está a caminho do brejo
Luis Otavio Leal
A tradução do título do italiano para o português seria algo como “e o navio vai”. Entretanto, ele também pode nos remeter ao famoso filme de Frederico Fellini que, em português, ficou conhecido como “O navio”.
Os dois conceitos se completam na análise das perspectivas para a economia brasileira a partir da decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM) do último dia 8. Por um lado, a analogia da visão de um navio seguindo o seu curso nos parece apropriada para a condução da política monetária por parte do Banco Central do Brasil (BCB); por outro, a situação distópica que vivenciamos diariamente, não só nas nossas vidas, mas também na economia, lembra o surrealismo do filme de Fellini. Talvez a cena final da película reflita de maneira perfeita essa conjunção de fatores: o protagonista Orlando, interpretado por Freddie Jones, está em um bote salva-vidas com um rinoceronte e, virando-se diretamente para a câmera, afirma: “Você sabia que rinocerontes fêmeas produzem um excelente leite?”. Nada mais bucólico e utópico ao mesmo tempo.
Com o mundo real mais utópico do que bucólico, vamos tentar, a partir da análise das indicações dadas pelo BCB na reunião do COPOM do último dia 8, responder a várias perguntas que ainda pairam no ar sobre a política monetária: “os aumentos nos juros serão suficientes para trazer a inflação para a meta?”, ou “qual o custo em termos de crescimento desse aperto monetário?”.
O COPOM do último dia 8, voltou a elevar os juros em 1,5 p.p. (de 7,75% a.a. para 9,25% a.a.) como esperado. Também como esperado, comprometeu-se a dar mais uma rodada da mesma dose na reunião do início de fevereiro. Entretanto, nem tudo ocorreu “como esperado”. O tom do comunicado da reunião veio sendo bem mais duro do que estava precificado.
Para entender o porquê disso, primeiro temos de observar que, ao contrário do que esperávamos, os recentes números de atividade piores do que o esperado não parecem ter tido muito peso na decisão do COPOM do último dia 8. Sobre o tema, o comunicado da reunião reservou apenas um parágrafo bem sucinto: “Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores divulgados desde a última reunião mostram novamente uma evolução moderadamente abaixo da esperada”. O resto do texto mostra um BCB muito mais preocupado com a possibilidade de a inflação sair de controle.
A primeira indicação disso vem do seu próprio modelo básico. Considerando a premissa de que a trajetória de juros daqui para frente seguiria aquela projetada pelo boletim Focus (os juros chegando a 11,75% a.a. em março e fechando o ano em 11,25% a.a.), a inflação para 2023 ficaria em 3,20%, para uma meta de 3,25%. Juntando essa informação ao fato de que o BCB trabalha com um viés de alta nas suas projeções, podemos supor que os juros ao final do ano que vem teriam que ser maiores do que os 11,25% a.a. indicados pelo Focus. Mas “quanto” maiores?
Para responder a essa pergunta, devemos ir para o “coração” do comunicado dessa reunião: “O Copom considera que, diante do aumento de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista. O Comitê irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Ou seja, a questão-chave para prever a trajetória de juros daqui para frente é projetar o que seria, na visão do BCB, avançar "significativamente no território contracionista”.
O período entre 2016 e 2017, tem sido citado reiteradas vezes por Roberto Campos, como um exemplo de desinflação da economia brasileira, pois a Selic chegou ao seu nível máximo de 14,25% a.a. em julho de 2015, ficando estável nesse patamar até outubro de 2016, quando começou a ser reduzida. Ao considerarmos os cálculos para a taxa de juros nominal neutra de equilíbrio naquele período, chegamos à conclusão que avançar "significativamente no território contracionista” representou 5,25 p.p.. Assim, quando trazemos esse mesmo valor para os dias atuais, significaria uma taxa de 12,25% a.a., o que representaria mais duas altas no ritmo atual de 1,50 p.p.. Entretanto, ao considerar a fraqueza do nível de atividade, que já aparece nos dados, mesmo antes da política monetária ter um impacto mais relevante, acreditamos que o BCB não vai chegar a tanto, parando em 11,50% a.a.. Assim, é importante salientar que não é buscar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento; é reduzi-la ao máximo sem colocar a economia em recessão. Lembrando a frase “para matar o carrapato, não precisa colocar fogo na vaca”.
O tom mais duro do comunicado da reunião do COPOM do último dia 8 reflete a situação desconfortável do BCB. Ao mesmo tempo em que a inflação corrente não dá sinal de arrefecimento, já impactando as projeções de 2023 e de 2024, a atividade econômica dá repetidos sinais de fraqueza, antes mesmo de ser impactada pelas primeiras rodadas de alta dos juros. No entanto, acreditamos que os números de crescimento econômico divulgados nos próximos meses serão ruins o suficiente para, em conjunto com o discurso mais duro do BCB, trazer as projeções do IPCA, a partir de 2023, novamente para a meta, facilitando a condução da política monetária. Ainda assim, apesar de termos uma visão otimista (do ponto de vista do BCB) da relação “crescimento contra expectativa de inflação”, não nos parece utópico traçar cenários nos quais continuamos a importar inflação externa e, consequentemente, os índices de preços por aqui continuem pressionados, mesmo com a desaceleração acentuada do nível de atividade.
O que o BCB faria nessa situação limite? Aumentaria mais os juros e colocaria a economia em recessão? Ou acomodaria parte dos choques externos e buscaria uma convergência mais longa da inflação para meta? Difícil dizer, assim como nos parece difícil se sentir confortável dividindo um bote salva-vidas com um rinoceronte fêmea, mesmo que ela dê um bom leite.
*Luis Otavio Leal é economista-chefe do Banco Alfa
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