Blaise Lempen referiu-se ainda à necessidade do uso de equipamentos de proteção e dos riscos a que os jornalistas estão submetidos
Luciana Gurgel
O Brasil atravessa este Dia do Jornalista (7 de abril) com pouco a celebrar. Além da tristeza de ler, escrever ou comentar sobre a notícia de mais de 4,2 mil vítimas do coronavírus em 24 horas, os profissionais de imprensa brasileiros têm mais um motivo a lamentar: o país voltou ao topo da lista de jornalistas mortos por Covid-19 feita pela organização Press Emblem, sediada em Genebra. Foram pelo menos 140 vítimas desde março de 2020.
A lista não pára de crescer. No momento do fechamento deste artigo eram 997, em 73 países. Brasil e Peru vêm se revezando na liderança da contagem. Juntos, os dois somam 277 profissionais que perderam a vida – mais do que a soma dos quatro países que vêm em seguida na lista.
Blaise Lempen, Secretário-Geral da entidade, comentou os resultados para o MediaTalks:
“Março foi o pior mês desde o início da pandemia, especialmente na América Latina, com pelo menos 91 jornalistas mortos pelo vírus. A média foi de 3 por dia. Só no Brasil, 30 jornalistas foram infectados pelo vírus – um por dia.
Esta tragédia precisa acabar. Chegaremos a 1 mil jornalistas mortos pela Covid-19 em 73 países, um número muito alto, o pior depois dos trabalhadores de saúde.”
Para ele, o acesso prioritário à vacina é o mais importante.
“Todos os jornalistas, independentemente da idade, devem ser vacinados o mais rápido possível.”
Segundo Lempen, a demanda para que os jornalistas sejam priorizados é amplamente sustentada. Ele cita como exemplos alguns países da África. Os governos de Uganda, Somália, Zimbábue e Malaui, decidiram incluir jornalistas entre os primeiros grupos de pessoas na fila para a vacinação contra a Covid-19.
Na Europa, jornalistas são considerados profissionais de linha de frente em muitos países na Alemanha, Irlanda, Holanda e Noruega. A Sérvia também decidiu em janeiro vacinar os jornalistas e outros profissionais da mídia com prioridade.
“Na América Latina, a Federação Nacional de Jornalistas do Brasil (FENAJ), a Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP) e a Diretoria Central da Associação Uruguaia de Imprensa (APU) recentemente instaram seus governos a considerarem os jornalistas como trabalhadores de linha de frente”, disse o Secretário-Geral.
Blaise Lempen informou que na Índia, a Press Association pressionou em março o governo a incluir jornalistas credenciados como prioridade para a vacinação contra a Covid-19. E que no Camboja, considerando que a mídia desempenhou um papel vital no combate à pandemia, o primeiro-ministro Hun Sen designou os jornalistas como grupo prioritário para a vacinação contra a Covid-19 em fevereiro. Em Bangladesh, os jornalistas também tiveram prioridade no programa de vacinação
Nos Estados Unidos, o Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização (ACIP) do Center for Disease Control (CDC) recomendou que a mídia fosse incluída na lista de “trabalhadores essenciais” que deveriam receber a vacina na Fase 1c. O pessoal da produção de jornais foi incluído na Fase 1 b.
Blaise Lempen referiu-se ainda à necessidade do uso de equipamentos de proteção e dos riscos a que os jornalistas estão submetidos:
Os jornalistas estão na linha de frente desde o início da pandemia. Muitos, especialmente freelancers, fotógrafos e cinegrafistas, tiveram que trabalhar no campo e não estavam devidamente equipados. As empresas de mídia não devem forçá-los a sair para o trabalho de campo se isso for perigoso.
Brasil e Peru na triste liderança
O total de mortos por país é: Brasil (140), Peru (137), México (93), India (60), Itália (51), Estados Unidos (46), Bangladesh (46), Equador (45), Colômbia (39), Reino Unido (28), República Dominicana (27), Paquistão (25), Turquia (22), Panamá (16), Rússia (15), Espanha (15), Bolívia (14) e Ucrânia (14).
A média de fatalidades em todo o mundo desde o início da pandemia é de 2,5 por dia. Segundo a organização, este é o pior registro de perda de profissionais de imprensa desde a Segunda Guerra Mundial.
A situação do Peru é dramátia para a imprensa, considerando o tamanho da população do país. Já nos Estados Unidos, apesar de uma população maior do que a do Brasil, foram 46 mortos. Dos 10 países com mais vítimas, cinco são da América Latina, que se destaca como a região que concentra mais da metade das fatalidades.
Em março, o Brasil também tinha superado o Peru durante alguns dias na lista de mortos contabilizada pela PEC. Na ocasião a organização destacou o avanço rápido da doença entre profissionais de imprensa no país. Nos primeiros dois meses do ano foram registradas mais de 50 mortes de jornalistas brasileiros. O ritmo segue o da população geral.
Mas o total de mortes no mundo pode ser muito maior. Os dados do PEC dizem respeito apenas a jornalistas que morreram com Covid-19 cujos casos foram divulgados na mídia local, referenciados por associações de jornalismo ou registrados por correspondentes regionais da entidade. Há países em que as informações são censuradas e possivelmente não reportam dados confiáveis.
Desde o início da crise de saúde pública, a Press Emblem Campaign passou a acompanhar o drama dos profissionais de imprensa vítimas da Covid-19. A lista da entidade inclui um perfil de cada vítima, como forma de humanizar os números da doença.
O exemplo do Zimbábue
O Zimbábue é um exemplo de país que deu prioridade aos jornalistas. Em um artigo no dia 4 de março, a organização informou que mais de 2 mil profissionais de imprensa entraram para a lista dos primeiros a serem vacinados, junto com 60 mil médicos e integranes de equipes de saúde.
“O importante de os jornalistas fazerem parte da campanha de vacinação é o fato de eles levarem mensagens a muitas pessoas”, disse Edwin Sibanda, médico que coordena o programa de imunização. “Muitas pessoas confiam nas informações dos jornalistas, eles as consideram autênticas”.
A matéria destacou o caso de Abigail Tembo, editora de saúde da Zimbabwe Broadcasting Corporation, uma das primeiras a serem vacinadas no país (ela própria na foto):
“Nós, como jornalistas, somos expostos todos os dias. O repórter, o cinegrafista, o editor,o produtor e o apresentador estão na linha de fogo no que diz respeito ao vírus”, disse ela.
“Interagimos com muitas pessoas diariamente, mas não temos condições de pedir um certificado de Covid-19 ou fazer verificações de temperatura enquanto conduzimos entrevistas e matérias na rua”.
Evolução da doença entre jornalistas
O acompanhamento da PEC mostra como a doença veio evoluindo entre jornalistas. Em maio de 2020 o registro já era alto: 64 mortes em 24 países. Em novembro subiu para pelo menos 462 jornalistas de 56 países − um aumento de mais de sete vezes. Nesse mesmo período, o número total de mortes por pandemia em todo o mundo aumentou cinco vezes, de acordo com o Johns Hopkins Coronavirus Resource Center.
“O que me surpreende é que, ao contrário da crença comum, muitos jornalistas morreram relativamente jovens”, disse Blaise Lempen em uma entrevista à Global Investigative Journalism Network.
Segundo Lempen, em países desenvolvidos como Itália, Estados Unidos e Grã-Bretanha, a maioria dos jornalistas que morreram de Covid-19 tinha mais de 70 anos, mas em países em desenvolvimento como Brasil, Índia ou África do Sul eles são mais jovens, a maioria deles na casa dos 50 ou 60 anos.
Os mais jovens e os mais velhos
Era mãe de Fareed Zakaria, apresentador da CNN e escritor. Por ironia do destino, o último livro escrito por ele foi sobre a pandemia.
Ontem Zakaria postou no Twitter uma homenagem à mãe.
Navegando no mar de desinformação
As incertezas em torno da Covid-19 e a desinformação tornam o trabalho da imprensa ainda mais desafiante. Não é apenas o risco de contrair a doença, mas também a dificuldade de informar o público.
O Knight Center para o Jornalismo nas Américas está oferecendo um curso para ajudar os profissionais que cobrem as vacinas. E o IJNet fez recomendações sobre como melhorar a cobertura e evitar armadilhas. Veja aqui.
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