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Eunice e seu esposo Rubens Paiva |
Radiografia da Notícia
* O desaparecimento de alguém é pior do que a morte
* Eunice Paiva sentiu essa dor de 1971 até 2018, quando faleceu
* Fica a tristeza, o lamento e a infinita saudade
Luís Alberto Alves/Hourpress
Nada mais justo o filme “Ainda estou aqui” ganhar o Oscar
como Melhor Filme Estrangeiro na inesquecível noite desse domingo (2/3). É a
coroação da luta de Eunice Paiva que testemunhou com os próprios olhos o marido
ser retirado de dentro de sua casa para interrogatório na sede carioca da
DOI/Codi e nunca mais voltar.Threads
O desaparecimento de alguém é pior do que a morte, pois ela
permite, através do velório, a despedida final. É uma cerimônia em que a
família está comunicando que aquela pessoa deixou de existir fisicamente. Para
tanto, o cartório emite o atestado de óbito, com assinatura de médico,
comprovando que ocorreu a morte daquele alguém.
Juridicamente também todos órgãos do governo federal,
estadual e municipal são avisados de que aquela pessoa não faz mais parte dessa
sociedade. Fica a tristeza, o lamento e a infinita saudade. Porém, todos os
familiares e amigos estão a par da situação. O passar dos anos ameniza a
sensação de perda e a vida prossegue, com os filhos casando-se, mudança de
residência, de estado e até de país.
Esposo
Quando se trata de desaparecimento não há oportunidade de dar
o último adeus. Tudo permanece vago. A mulher ou marido ou filhos olham para a
porta ou até mesmo quintal aguardando o retorno daquele familiar que ninguém
consegue encontrar. Eunice Paiva sentiu essa dor de 1971 até 2018, quando
faleceu. Durante todos esses anos, no fundo do seu coração ela sentia que o seu
esposo, o ex-deputado Rubens Paiva seria encontrado.
Mas os seus assassinos, que lhe retiraram a vida sob intenso
sofrimento provocado pela tortura foram tão covardes que sumiram com o seu
cadáver. Negaram a Eunice Paiva e seus filhos o direito de velar o corpo do
esposo e pai Rubens Paiva. Por outro lado, percebo o quanto essa mulher foi
guerreira. Formou-se em Direito para encontrar meios de não deixar esse crime
cair no esquecimento sob o manto da anistia aprovada em 1979, que livrou da
cadeia os assassinos do regime militar.
A conquista desse Oscar neste brilhante filme dirigido por
Walter Salles desmascara a farsa e o terror da Ditadura de 1964, responsável
por 21 terríveis anos de horror. Mostrou ao mundo o perigo que regimes
totalitários podem provocar numa nação. Revelou que a democracia, mesmo com
seus defeitos, é o melhor sistema de governo. Num reprise do meu passado
jornalístico, lembrei-me de uma entrevista com Marcelo Rubens Paiva em 1986, a
favor da libertação da presa política Lâmia Maruf Hassan em Israel, que saiu da
cadeia no final da década de 1990. Ou seja, a família Paiva sempre esteve do
lado do bem. Parabéns.
Luís Alberto Alves, jornalista, editor do blogue Cajuísticas,
e autor dos livros: “O flagelo do desemprego” (2022), “Por que o meio ambiente
é tão importante ao trabalhador” (2023) e “Internet: pesadelo de quem entrega
mercadoria comprada online” (2024).