*Fernando Brito
O melhor diagnóstico do que levou ao monstruoso caso da mulher que teve o pescoço demoradamente pisado por um policial militar em São Paulo foi feita pelo ex-ouvidor geral da polícia paulista, Benedito Mariano. Ele lembrou que a “ocorrência” para a qual os PMs foram chamados era um simples caso de “perturbação do sossego” que nem crime é, mas simples contravenção penal (art. 42 da LCP) e que, nas áreas ricas, não gera outra atitude senão a abordagem e o pedido para que, como acontecia ali, de baixar o volume da música.
Tudo o que as imagens mostram, ali, porém, são armas sacadas e apontadas, pessoas jogadas ao chão e manietadas, submetida a toda a sorte de agressões. Aliás, o “poderoso armamento” com que um dos presentes à cena filmada por câmaras de segurança era um rodo de chão, algo que não pode ser ameaçador para quem tem uma pistola na cintura.
João Doria reagiu dizendo que agressões policiais “não serão toleradas”. Reação que deveria ser gravada num disco arranhado de tantas vezes que é repetido, sem nenhuma consequência, exceto o fato de que a polícia, cada vez mais, tornou-se uma máquina de bater e de matar pobre. E porque pobres, em maioria negros e pardos.
No Fantástico, o PM disse que usou os “meios necessários”. Pisar o pescoço – e ficando num pé só, colocando todo o peso do corpo – de uma mulher de 51 anos é um meio necessário apenas para matar, como ficou evidente no caso do norte-americano George Floyd, cujo assassinato abalou os EUA e do mundo.
A polícia brasileira, sob os aplausos de uma elite que acham mesmo que “com pobre é na porrada”, tornou-se um escândalo de proporções mundiais.
Em tempo de pandemia, com as pessoas retidas em casa e impedidas de oferecer resistência, saltamos de patamar. Um levantamento de O Globo registra 1.198 mortes em decorrência de intervenções policiais em março e abril, 26% mais que as ocorridas nestes meses em 2019.
Essa é uma chaga de décadas no Brasil, que se desenvolveu com a demagogia ou a intimidação do governo e dos políticos, que ou prometiam mais polícia e mais brutalidade (mirar na cabecinha, não é?) ou se intimidavam ante o seu dever de puni-la.
Um único enfrentou – e pagou caro por fazer isso – esta vergonha. Faltam muitos, muitos Brizola para dizer que polícia não pode ser isso, mas há muitos dos que hoje se horrorizam com estas cenas que durante muito tempo se enganaram com o discurso de uma mídia que construiu, com sua cumplicidade, algo tão monstruoso.
*Fernando Brito é jornalista.
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