terça-feira, 24 de agosto de 2021

Destruição de patrimônio público do ponto de vista do Direito

 


Essas pautas acabam levando a atos desatinados por vezes

Redação/Hourpress

Nos últimos anos vêm ocorrendo mobilizações que buscam reescrever a história por conta de acontecimentos recentes que envolvem racismo, discriminação, trabalho análogo ao escravo, entre outras situações que têm sido combatidas por vários movimentos.

Foram os casos da destruição de igrejas no Chile, a invasão do Capitólio (palácio do Congresso americano) e atos contra monumentos no Brasil, com destaque para a pichação do Monumento às Bandeiras e o incêndio da estátua de Borba Gato, ambos na Capital paulista.

Dr. Márcio Pugliesi, sócio do escritório Pugliesi Advogados e Consultores Associados, faz uma diferenciação entre movimentos e mobilizações. “Mobilização etimologicamente  está ligada a móvel, ou seja, é rápida e de pouca duração, enquanto movimento demanda uma discussão mais longa e profunda das questões que envolvem a sociedade”, conceituou.

Para o advogado especialista em Direito Público, o mundo está vivendo um ponto de inflexão, passando por um momento de transição dos formalismos técnico-burocráticos para uma civilização de profundo controle, o que leva naturalmente a algumas reflexões relevantes. “Nós perdemos uma significação pessoal própria de alguma maneira e acabamos por incorporar o pertencimento a grupos, digamos, telemáticos, que trazem ideias, sugestões e posições extremamente duras, sistemáticas, pouco abertas que incapacitam as pessoas atingidas por essa forma ideológica de perceber como o mundo poderia ser”, analisou.

Segundo Pugliesi, trata-se de um mundo pautado, em que as pessoas constroem a sua imagem sobre o mundo a partir das pautas de jornais, telejornais, mídias eletrônicas, comunidades virtuais que pautam os acontecimentos que devem ser pensados e os indivíduos deixam de entender que a “realidade” é muito maior do que isso. “Isto é, construímos um mundo a partir de limitações impostas pelas próprias pautas de importância dos eventos”, pontuou.

Na visão de Pugliesi, essas pautas acabam levando a atos desatinados por vezes, em que as pessoas confundem um ícone da cidade, uma escultura, no caso da estátua de Borba Gato, “que pode até ser de mau gosto, mas é um marco da cidade, uma obra realizada e deve ser respeitada como tal”.

Sobre a pichação do Monumento às Bandeiras, conhecido como “Deixa que eu empurro”, Pugliesi afirma que houve uma violação da proposta estética original do arquiteto Victor Brecheret. “Por mais que seja discutível a ideia de exibir a paridade dos esforços do indígena brasileiro na estátua, nada autoriza alguém a tomar medidas de destruição de patrimônio público para fazer esse questionamento”, condenou.

Para o advogado, essa prática é vandalismo e esses locais públicos deveriam ter câmeras para identificar as pessoas e serem exemplarmente punidas para que esses atos não se repitam de maneira errática e continuada. “Esses iconoclastas contemporâneos precisam compreender que o mundo tem leis, autoridade, poder público e as atitudes pessoais precisam ser muito bem calibradas”, observou.

Dr. Richard Geraldo Dias de Oliveira, advogado e presidente da Comissão de Direito e Relações Internacionais da OAB Santos, ainda cita exemplos de destruição de patrimônio público mundo afora, como a derrubada pelos talibãs do Buda no Afeganistão por ser de outra religião, os ataques a igrejas no Chile, bem como a queima de livros pelo nazismo de Hitler.

Dr. Daniel Toledo, advogado especialista em Direito Internacional e sócio do escritório Toledo e Associados, diferencia as mobilizações atuais das realizadas pelo movimento dos caras-pintadas na época do ex-presidente Fernando Collor de Mello. “Passa a impressão de que a juventude atual perdeu um pouco o respeito filosófico pela pátria e pelos valores internos e colocou-se um idealismo de revolta. São os chamados rebeldes sem causa”, avaliou.

Para Toledo, a Lei de LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não se aplica ao linchamento de estátuas e monumentos brasileiros. “A discussão precisa estar em outro patamar. Eu penso até que se deve discutir essa questão da colonização, mas deve ser feito de forma profunda e não tenho visto isso acontecer”, lamentou.

Ele ainda ressalta que a Humanidade sempre foi inspirada por símbolos e não é por meio da destruição que se reescreve essa simbologia. “Destruir determinados ícones não vai impor uma nova ordem, simbologia ou norma de conduta. Se todos pensarem assim, as pirâmides do Egito também deveriam ser postas abaixo, porque elas representaram escravidão, milhares de pessoas foram mortas ali, tratadas da pior forma possível, e é uma simbologia de mais de três mil anos”, conceituou.

Na opinião de Toledo, hoje há um interesse filosófico mundial que vai de acordo com a conveniência. “Tenho visto muito os jovens no Brasil e em vários outros países também tendo as suas posturas filosóficas de acordo com a conveniência do momento, seja ela política, social ou econômica”, finalizou.


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