Em setembro deste ano comemora-se o Bicentenário da Independência do Brasil. Em outubro, o povo brasileiro vai às urnas para eleger quem exercerá a Presidência da República. Estarão também em disputa os governos estaduais e as cadeiras das Assembleias Legislativas e da Câmara dos Deputados, além da renovação de uma parte do Senado Federal. Muita coisa em jogo, a democracia sob ataque. Estamos às portas da mais decisiva eleição brasileira desde a queda da ditadura militar, em 1985. Diante deste cenário, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns e o Instituto Vladimir Herzog irmanam-se ao propor que a melhor forma de celebrar o Bicentenário da Independência será reafirmar, por meio de palavras e ações, a adesão incondicional aos princípios republicanos e democráticos que embasam a Constituição de 1988.
A defesa do Estado Democrático de Direito inclui a promoção ininterrupta dos Direitos Humanos, que têm por matriz o direito à vida, derivado do reconhecimento da dignidade de todo ser humano, em sua plena diversidade.
Assim, Democracia e Direitos Humanos são indissociáveis. Mas não basta que tais pressupostos estejam presentes na nossa Lei Fundamental. É preciso transformá-los em práticas concretas, estreitando o compromisso do Estado com a sociedade brasileira, em consonância com declarações e pactos internacionais por ele firmados. A despeito das intenções e dos apelos dos que desejam saquear a democracia, as eleições de outubro expressarão a consciência política da sociedade brasileira. O voto de cada um e cada uma tem o mesmo valor, independentemente de qualquer variável estranha à igualdade na cidadania. A ampla participação nas eleições – com a possibilidade de renovação e correção de rumos – abre uma porta de esperança nesses tempos sombrios no Brasil, marcado por crises política, social, econômica e ambiental.
É com essa esperança que propomos a implementação de um plano de reconstrução democrática do país, partindo da firme defesa do processo eleitoral, sobre o qual pedimos, especificamente:
Garantia e expansão do direito à informação, através dos diferentes meios de comunicação e com a constante vigilância sobre a disseminação de notícias deliberadamente fraudulentas. Liberdade de expressão plena, com respeito ao trabalho de jornalistas e comunicadores, de acordo com regras transparentes, democraticamente aprovadas e compartilhadas. Garantia, com todas as providências necessárias, de segurança física aos candidatos e candidatas em entrevistas, debates, manifestações públicas e na propaganda política. Repúdio, com busca de sanção legal, à delinquência digital como discursos de ódio, teorias conspiratórias, ameaças e quaisquer formas de discriminação e ataques às instituições democráticas. Respeito à Justiça Eleitoral e a seus instrumentos de fiscalização, assim como o pronto reconhecimento dos resultados das urnas. Sobre o compromisso com a Democracia e os Direitos Humanos, requeremos dos candidatos e candidatas à Presidência: Políticas urgentes no enfrentamento dos graves problemas sociais, como a fome, o desemprego e o aumento expressivo da população vivendo em situação de rua. Combate a toda forma de racismo, problema estrutural da nossa sociedade, cujos efeitos humilham e matam, perpetuando o preconceito e a discriminação entre os brasileiros. Proteção aos direitos dos povos originários, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, na defesa de suas terras e modos de vida, com a impugnação definitiva da tese do marco temporal. Compromisso com o fim da impunidade dos que assassinam indígenas e defensores do meio ambiente, de moto próprio ou a mando de terceiros, também responsáveis por tais crimes. Reestruturação de órgãos científicos e de fiscalização ambiental, hoje sucateados, entre eles, INPE, ICMBIO, FUNAI e IBAMA, e o devido acatamento de suas recomendações técnicas. Repúdio à tortura e ao “excludente de ilicitude”, essa estranha figura jurídica com a qual se pretende conferir impunidade prévia à violência praticada por agentes policiais. Revisão das políticas de segurança que acabam por atingir, preferencialmente, as pessoas negras, pobres e periféricas. Defesa da dignidade e da liberdade de todas as religiões, especialmente as que hoje sofrem perseguições obscurantistas, como as de matriz africana. Enfrentamento da discriminação de gênero e da violência contra a mulher, com destaque ao combate do feminicídio. Proteção aos ativistas de Direitos Humanos, alvos de constantes ameaças de morte, e dos grupos vulneráveis à discriminação e à intolerância, como os LGBTQIA+. Defesa radical da educação pública, laica e de qualidade em todos os níveis, o que requer incentivo aos projetos de educação em Direitos Humanos, com base na cultura da paz. Fortalecimento do SUS para garantir o pleno direito à saúde aos brasileiros e enfrentar as sequelas deixadas pela Covid-19. Por fim, mas não por último, implementação das diretrizes dos Planos Nacionais de Direitos Humanos, bem como de todas as recomendações do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), cujo trabalho legou à sociedade brasileira o esclarecimento de graves violações ocorridas durante a ditadura. O plano aqui apresentado demandará uma reorientação de parte dos poderes constituídos. Mudanças de rumo serão necessárias, no entanto, inexistem alternativas a esse caminho: não haverá futuro democrático, com liberdade e justiça social, sem o alicerce dos Direitos Humanos.
É com esta convicção que a Comissão Arns e o Instituto Vladimir Herzog conclamam candidatas e candidatos à Presidência da República a firmar, desde já, um compromisso público em respeito à vida, à liberdade, à cultura de paz e à agenda universal dos Direitos Humanos.
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