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Radiografia da Notícia
* Infelizmente, muitas mulheres ainda enfrentam essa situação e não conseguem se desvencilhar e buscar ajuda
* Esses números, sem dúvida, reforçam a necessidade de serviços que amparem as vítimas em diferentes setores
* As marcas deixadas nos corpos acabam servindo de lembrete constante de que a violência ocorreu
Redação/Hourpress
Nos últimos dias, um dos temas mais comentados da internet foi a agressão sofrida por Ana Hickmann por parte do seu marido, Alexandre Correa. A notícia se espalhou rapidamente após a confirmação de que a apresentadora havia registrado um boletim de ocorrência contra o parceiro, por violência doméstica e lesão corporal.
Apesar de o fato ter ganhado repercussão devido à notoriedade de Ana, infelizmente, muitas mulheres ainda enfrentam essa situação e não conseguem se desvencilhar e buscar ajuda.
A quarta edição da pesquisa "Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil", realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Datafolha, com apoio da Uber, estima que cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras tenham sido vítimas de algum tipo de violência em 2022. Já os acionamentos ao número da Polícia Militar, 190, chegaram a 899.485 ligações, representando a média de 102 ligações por hora para denunciar algum tipo de violência doméstica.
Esses números, sem dúvida, reforçam a necessidade de serviços que amparem as vítimas em diferentes setores. Pensando nisso, o CEJAM - Centro de Estudos e Pesquisas "Dr. João Amorim" criou um grupo de assistência para ajudar essas pessoas gratuitamente, via SUS.
O projeto "Costurando a Vida com Fios de Ferro" foi criado em junho deste ano devido à alta demanda de casos de violência contra a mulher atendidos no território da UBS Jardim Valquíria, gerenciada pela organização em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. Seu nome foi inspirado em uma frase utilizada pela escritora mineira Conceição Evaristo, em seu livro "Insubmissas Lágrimas de Mulheres", que apresenta mulheres negras cujas histórias de vida foram marcadas por situações de vulnerabilidade e violência.
"No grupo, são trabalhadas questões relacionadas ao contexto de violência e ao adoecimento subjetivo causado pela violação de direitos. Com o apoio de assistente social e educadora física, consideramos todos os aspectos necessários que promovam o empoderamento e o fortalecimento das pacientes, desde a realização de atividades físicas e de relaxamento para controle da ansiedade até questões relacionadas à proteção social ", afirma Alexander Augusto Rodrigues, psicólogo integrante da equipe multiprofissional da UBS Jardim Valquíria.
Atualmente, 20 mulheres compartilham vivências no grupo, por meio de encontros quinzenais. Apesar disso, de 2021 até o início de novembro deste ano, foram notificados cerca de 79 casos de violência contra a mulher somente nessa unidade de saúde.
“Mesmo assim, nós sabemos que o número de mulheres que sofrem violência no território é exponencialmente maior e, por isso, trabalhamos continuamente para conseguir acessar esses casos”, destaca Alexander.
As marcas deixadas nos corpos acabam servindo de lembrete constante de que a violência ocorreu, intensificando ainda mais a dor. Algumas dessas pacientes acabam tendo órgãos prejudicados, precisando lidar também com dificuldades na audição, visão ou até mesmo na mobilidade de seus membros devido a espancamentos e violência, declara o profissional.
Nos atendimentos, as violências física, moral, psicológica e patrimonial se destacam como as ocorrências mais frequentes. Com isso, temas como a culpa envolvida na experiência da violência, fortalecimento da capacidade de enfrentamento às dores deixadas pela agressão, baixa autoestima e questões com imagem são constantemente trabalhadas com cada uma das vítimas atendidas.
E, para além de receberem cuidados psicológicos e físicos pelo grupo, as pacientes contam ainda com todo o suporte necessário da UBS quanto a temas relacionados a abrigo sigiloso, realização de BO, medida protetiva, benefícios, geração de renda, entre outros.
“Quando uma mulher consegue identificar e revelar uma situação de violência, o modo como nós, profissionais da saúde, recebemos essa informação é de fundamental importância. Se essa paciente não se sentir acolhida e legitimada no que trouxe para nós, dificilmente ela conseguirá colocar em perspectiva caminhos conjuntos com o serviço para o enfrentamento ao contexto de violência”, reforça.
Atenção aos sinais
Para ajudar na identificação de uma possível violência, o psicólogo destaca que existem três fases que devem ser vistas como sinais de alerta. Normalmente, o ciclo vivenciado pela mulher acaba se repetindo, caso nada seja feito.
Confira abaixo a explicação:
1ª Fase - Aumento da Tensão: o autor da violência emite comportamentos de tensão e irritabilidade em relação a coisas cotidianas, chegando a ter acessos de raiva. Nessa situação, as violências psicológica e moral começam a surgir por meio de humilhações, xingamentos, ameaças e destruição de objetos. Aqui, a mulher tende a acalmar o autor da violência, começando a vigiar seus próprios comportamentos para evitar qualquer conduta que possa irritá-lo. É um período caracterizado por muita insegurança, angústia e ansiedade.
2ª Fase - Ato da Violência: nesta fase, o autor da violência perde o controle e chega ao ato violento. Toda a tensão acumulada na 1ª fase se materializa em violência. Diante disso, a mulher se vê paralisada e incapaz de reação, o que pode resultar em sofrimento psicológico intenso (insônia, perda de peso, ansiedade, fadiga, pensamentos de morte), além de sentimentos como medo, solidão, culpa e vergonha pela situação de violência.
3ª Fase - Arrependimento e Comportamento Carinhoso: também conhecida como "lua de mel", essa fase é caracterizada pelo arrependimento do autor da violência, que tenta se reconciliar por meio de presentes, jantares, viagens, atitudes carinhosas e declarações de amor. Há um período calmo após a reconciliação, mas, na subjetividade da mulher, um misto de felicidade, alívio e remorso começa a tomar conta de sua mente, estreitando a sua relação de dependência com o autor da violência. Por fim, a tensão volta a aumentar e a violência ocorre novamente, reiniciando o ciclo.
Ademais, o profissional alerta: “Escutar o que as outras pessoas estão tentando avisar sobre o relacionamento também pode ajudar a identificar esse ciclo, além de procurar informação e ajuda qualificada”.
Onde encontrar ajuda
Mulheres que enfrentam situações de violência e buscam apoio podem recorrer a alguns recursos. Além de procurarem atendimento em Unidades Básicas de Saúde (UBS), é importante que busquem respaldo legal por meio das Delegacias de Defesa da Mulher, Disque 100 e 180, bem como pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo.
É possível também buscar o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) mais próximo, que pode ajudar com os direitos de defesa das mulheres e familiares em situação de violência.